A Lei Geral de Proteção de Dados possui 24 pontos que depedem de regulamentação. E é nesse cenário que empresas estão realizando o compliance da norma.

Restam cerca de 6 meses para a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e há pouca (ou nenhuma) estatística oficial (ou, ao menos, abrangente) sobre o nível de conformidade legal de pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado, no Brasil.

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A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD de nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, entrará em vigor em agosto de 2020 e trará mudanças significativas não apenas nas áreas dos negócios e empreendedorismo, como também em várias esferas do Direito. A LGPD regulamenta o tratamento de dados pessoais, que é toda e qualquer etapa de acesso a estes dados: coleta, fornecimento, transmissão, armazenamento, uso, dentre outros. Tais normas se aplicam aos dados tratados por pessoas naturais ou jurídicas e, inclusive, o Poder Público. Somente estão protegidos pela lei os tratamentos realizados no Brasil, ainda que quem o faça seja estrangeiro e a proteção deve ocorrer no meio físico ou digital.

Quanto à sua vigência, alguns de seus dispositivos já estão sendo aplicados, todavia a parte massiva da lei passará a vigorar a partir de agosto de 2020. Muitas empresas deverão se adaptar às novas regras e, para isso, deverão analisar seus recursos de segurança, reavaliar contratos e fatalmente investir em soluções e recursos de proteção e segurança de informações (dados). O prazo entre a publicação da lei e sua vigência, chamado “vacatio legis” é de 24 meses, pois o próprio legislador identificou as enormes dificuldades que existem para a adaptação.

Nos tempos atuais, a privacidade se tornou bastante escassa. Com os meios informatizados de captação de dados não há qualquer movimento que não seja registrado ou captado por alguém e que pode ser utilizado apara diversos fins. É o caso da técnica denominada “retargeting” que ocorre quando alguma pesquisa é feita em uma loja, por exemplo, e no dia seguinte o produto pesquisado está em todos os sites acessados. Pessoas rotineiramente têm seus aplicativos de conversa hackeados, fotos acessadas remotamente por estranhos que não deixam qualquer rastro sequer. Ou seja, empresas de todos os portes que têm acesso a dados pessoais de cliente ou empregados deverão se blindar ao máximo e, para isto, certamente deverão despender grandes quantias.

Aqui, se aborda as mudanças e impactos sobre o direito do trabalho, em especial nas relações de trabalho existentes. Importante ressaltar que nessas relações a proteção aos dados deverá ocorrer desde a fase pré-contratual até de fato a contratação. Ou seja, em um processo seletivo todos os dados pessoais fornecidos deverão ser objeto de proteção e respeitar as previsões da lei.

Dentre todas as alterações ao ordenamento trazidas pela lei destacam-se a necessidade de o proprietário do dado estar ciente sobre como será feito o tratamento (todas as etapas) e as finalidades para as quais serão utilizadas; o consentimento do proprietário do dado deve ser expresso e, se for fornecido por escrito, deverá constar de cláusula destacada das demais e pode ser revogado a qualquer momento mediante manifestação.

Desse modo, o empregador deverá manter todos os dados que receber em sigilo e os contratos de trabalho ou mesmo de prestação de serviços deverão ser revistos, a fim de que cumpram o determinado na LGPD, trazendo de forma explícita e fundamentada para quais finalidades os dados pessoais fornecidos serão utilizados.

Outro ponto bastante relevante da lei e que certamente afetará o mundo das relações de trabalho é que foram estipulados os chamados dados pessoais sensíveis. Tais dados têm maior proteção por aqueles que os tratam, e são eles: “origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natura”. Ou seja, o empregador quando tiver conhecimento acerca da filiação ao sindicato de sua categoria pelo empregado, por exemplo, deverá proteger esta informação, sendo que não poderá torná-la pública ou repassar a terceiros sem o consentimento prévio e com explicação de sua utilização.

As empresas deverão ser cautelosas quanto à transmissão de dados a terceiros, como acontece na contratação de planos de saúde para o empregado, seguro de vida, contadoria, na terceirização de serviços e, até mesmo, ao sindicato eleito à filiação do empregado. Isso porque, antes da vigência da lei os dados pessoais eram transmitidos a estes terceiros sem necessidade de consentimento do proprietário do dado, no caso, o empregado. A partir da aplicação da LGPD não apenas será necessário o consentimento expresso como também a ciência quanto ao uso dos dados. Ou seja, o empregador deverá não apenas rever seus contratos como, de certa forma, fiscalizar a proteção aos dados feita por terceiros contratados por ele e que tenham acesso aos dados dos empregados ou prestadores.

Quanto à transmissão de dados pelo empregador aos órgãos públicos, para fins fiscais, ficou pela lei dispensado o consentimento do proprietário, eis que se trata de cumprimento de uma obrigação legal.

Outro ponto que se destaca é o fato de que muitos dos documentos em posse do empregador contêm dados sensíveis, como os atestados médicos. Fica o questionamento quanto ao uso em processos para fins de contestação pela empresa. Isto porque, é muito comum empresas levarem tais documentos aos autos de processos para comprovar afastamentos, abonos ou outros direitos.

Percebe-se que para se adequar à lei, as empresas deverão investir altos valores em tecnologia de proteção e evitar sansões como advertências e multas, que podem alcançar a quantia de R$ 50 milhões. Preocupa as pequenas empresas que, muitas vezes, têm recursos limitados, inclusive, para se manter e crescer no mercado e, agora, deverão investir em recursos de elevados valores.

Assim, diante de tantas mudanças, temos uma nova reforma trabalhista sendo que empresas e empregadores deverão se adaptar sob o risco de terem seus negócios findados, em virtude das multas altíssimas previstas em caso de infração das disposições. Dessa forma, o ideal é que todos os empregadores e empresas iniciem imediatamente a análise do que é preciso para se adaptar e cumprir a Lei Geral de Proteção de Dados.

Fonte: https://diariodocomercio.com.br/opiniao/lgpd-no-vies-trabalhista/

Advogada trabalhista do Briganti Advogados.

Dentro da União Européia

Fora da União Européia

LGPD relacionado às tecnologias que impactam a área do marketing e startups.

A coleta de informações pessoais para alavancar a venda de serviços e produtos tem sido uma prática comum de empresas no mundo todo. Buscando entender melhor os anseios dos consumidores para personalizar propagandas, essa prática, que sempre pareceu tão comum, fere os quesitos da privacidade por utilizar dados sem o consentimento do indivíduo, e hoje sofre com os impactos causados por leis como a GDPR (General Data Protection Regulation), na Europa e Estados Unidos, e a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), prevista para entrar em vigor no próximo ano no Brasil.

O momento de transição é oportuno para lançar um panorama de como as novas tecnologias estão mitigando fronteiras regulamentares, propondo novos modelos de negócio que prezam pela não-utilização de dados no mundo publicitário.

Com as novas regulamentações, fomos reinseridos na segmentação contextual, que tem como principal vantagem o fato de se basear no que é visto em tempo real e não em armazenamento de dados do usuário. Essa técnica, que abrange o moment marketing, é muito menos invasiva quando comparada com a comportamental, pois se inicia na análise do conteúdo ao qual o consumidor está olhando, para que dali se extraia uma mensagem publicitária em um ambiente premium.

O caminho que muitas companhias, principalmente startups, estão seguindo é investir em Inteligência Artificial (IA) e técnicas de Processamento de Linguagem Natural para atingir maior envolvimento. É importante, nesse processo, entender o contexto por trás do conteúdo que está sendo visto pelos consumidores e garantir que os anúncios sejam adequados e relevantes, pontos aonde IA e PNL podem ser muito eficazes.

Transformando as adversidades em oportunidades

Já estamos vendo uma mudança significativa na maneira como as marcas estão interagindo com seus públicos, o que dificulta criar conteúdo personalizado que utilize informações pessoais. Quase um ano depois da GDPR, os profissionais de marketing que adotaram o uso transparente de dados estão começando a ver resultados, colhendo os frutos de estarem na vanguarda.

Os dados móveis de terceiros, neste contexto, são uma mina de ouro para as campanhas publicitárias, ainda mais com as novas exigências das regulamentações, que impõem aos anunciantes total conformidade com as leis. Agora que as campanhas são colaborativas e de melhor qualidade, altos retornos estão sendo gerados, o que faz com que a confiança dos consumidores aumente, já que eles estão se mostrando mais preparados para trocar seus dados por melhores experiências em dispositivos móveis.

Por outro lado, algumas empresas estão ficando para trás por não levarem as questões de privacidade do cliente tão a sério. Nos Estados Unidos, existem exemplos de companhias que optaram por pedir consentimento a seus usuários para continuar utilizando os dados deles, colocando pop ups em seus sites para pedir acesso a informações pessoais, ignorando soluções inovadoras que pudessem dar um rumo novo a esse cenário, levando, em contrapartida, multas altíssimas.

É importante enxergar as leis de dados como uma vantagem competitiva, justamente para continuar na disputa. Os concorrentes estão saindo do páreo porque não têm essa vantagem e uma boa parte dos players que surgiram no mercado publicitário nos últimos anos foram estruturados para ambientes que prezam pelo não-uso de dados. Devemos, portanto, nos livrar de práticas como a utilização do histórico de navegação, uso de cookies, e outras relacionadas, abrindo horizontes a técnicas que analisam a semântica dos conteúdos, visando a criação de experiências sob demanda para o consumidor.

A regulamentação da privacidade de dados mudou definitivamente a maneira como a publicidade é feita e, se existe um setor capaz de se adequar rapidamente às inovações, esse é o da tecnologia de anúncios. Por isso, é fundamental aproveitar o momento de transformações para apostar em técnicas que impulsionam o ato de levar a mensagem certa para o público certo, no momento certo, sem ultrapassar os limites de privacidade.

*Artigo por César Sponchiado é CEO e Founder da TunAD

Fonte: https://www.contabeis.com.br/artigos/5810/as-novas-apostas-do-marketing-que-surgiram-com-a-lgpd/

Divido um interessante artigo publicado pelo queridão Marcílio Braz que traz de forma bem completa e interessante o tema de aplicação prática sobre o termo de impacto de proteção a lei geral de proteção de dados.

Propósito de um Data Protection Impact Assessment não é eliminar todos os riscos, mas minimizar a existência destes.

Com a sanção da LGPD, estabeleceu-se um marco regulatório legal para abrigar toda uma gama de direitos e obrigações relativas à proteção dos dados pessoais dos indivíduos. Dentre os princípios preconizados pela lei, atentamos para a responsabilidade e prestação de contas por parte dos agentes de processamento de dados (controladores e operadores). Uma das principais ferramentas para evidenciar tanto para os cidadãos quanto ao poder público a aderência à lei consiste no Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (doravante RIPD).

A definição do mesmo encontra-se no artigo 5º, XVII da lei:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

XVII – relatório de impacto à proteção de dados pessoais: documentação do controlador que contém a descrição dos processos de tratamento de dados pessoais que podem gerar riscos às liberdades civis e aos direitos fundamentais, bem como medidas, salvaguardas e mecanismos de mitigação de risco.

Por sua vez, o artigo 38 esclarece o âmbito de aplicação do relatório, bem como, de modo extremamente sucinto, os elementos básicos que devem compô-lo:

Art. 38. A autoridade nacional poderá determinar ao controlador que elabore relatório de impacto à proteção de dados pessoais, inclusive de dados sensíveis, referente a suas operações de tratamento de dados, nos termos de regulamento, observados os segredos comercial e industrial.

Parágrafo único. Observado o disposto no caput deste artigo, o relatório deverá conter, no mínimo, a descrição dos tipos de dados coletados, a metodologia utilizada para a coleta e para a garantia da segurança das informações e a análise do controlador com relação a medidas, salvaguardas e mecanismos de mitigação de risco adotados.

Considerando que o mens legis no tocante a necessidade, abrangência (parcialmente) e elementos constitutivos deste relatório inspira-se no GDPR (General Data Protection Regulation) da União Europeia, em nossa opinião o diploma legal pátrio findou por carecer de maiores esclarecimentos e definições quanto a ao escopo e formatação do referido relatório, em contraposição ao diploma legal europeu.

Resulta do art. 38 da LGPD que a autoridade nacional terá poderes para impor um DPIA a um controlador, caso este não o tenha realizado. Ter-se-á que analisar se essa falta de DPIA que a autoridade nacional considera essencial para o processamento de dados poderá levar a consequências por não cumprimento, por parte do controlador, desse mesmo DPIA, quer da parte da autoridade nacional quer da parte dos titulares de dados envolvidos nesse processamento de dados.

Tendo em conta a obrigatoriedade do DPIA para operações de tratamento, é nossa opinião que a falta de um DPIA essencial é razão suficiente para a aplicação de uma multa administrativa ou de processo ou processos judiciais contra o controlador, por não fundamnetar o processamento de dados devidamente, conforme requer a LGPD. No entanto, exige-se da autoridade nacional uma ponderação relativamente ao DPIA, analisando, nomeadamente, o grau de risco para o titular de dados que a falta do relatório de impacto implicou. Para além disso, mesmo sem a formalização de um, poderá o controlador ter implementado medidas técnicas e organizacionais suficientes para mitigar o risco. Parece-nos que ambos os fatores referidos, entre outros (e.g. a falta de DPIAs ser caso único ou um entre vários, a fundamentação do controlador para não realizar o mesmo, etc.) terão de ser tidos em consideração, não sendo a multa administrativa automática pelo simples fato de o relatório de impacto não ter sido feito.

Outro ponto que nos parece importante referir é quanto a amplitude do DPIA da LGPD, quando comparado com o do GDPR. No LGPD, de forma diferente do GDPR, o risco não é tido em consideração para a realização do DPIA. Parece-nos, no entanto, inadequada a interpretação literal do artigo, que faria com que todas as atividades de tratamento tivessem de ter um DPIA associado.Ainda relativamente a este assunto, levanta-nos questões relativamente à salvaguarda do LGPD relativamente a “segredos comercial e industrial” na realização de DPIAs.

O in fine do art. 38 nos permite interpretar como um requisito relativamente aos DPIAs solicitados pela autoridade nacional. Tal interpretação levaria à conclusão de que o DPIA solicitado pela autoridade nacional teria de ser comunicado a essa autoridade. Porque, de outro modo, sendo documentos essencialmente internos, e disponibilizados à autoridade nacional apenas em caso de uma investigação, não se alcança o objetivo da especificação relativamente à propriedade intelectual da empresa.

Ainda, tal menção parece-nos fazer entender que a mesma implica que um DPIA solicitado pela autoridade de controle terá de ser aprovado ou rejeitado por esta. Só assim se vislumbra a necessidade de respeito pelas regras da propriedade intelectual da empresa. Mas, com os responsáveis da autoridade de controle obrigados ao sigilo profissional, como se espera, não nos parece que o in fine acrescente à questão nesse caso específico, a não ser tornar difusa a questão da responsabilidade de aprovação dos DPIAs exigidos pela autoridade de controle.

Por outro lado, já tal fará sentido se o requisito for genérico. Interpretando o in fine do art. 38 como sendo um requisito geral para todos os DPIAs, tal poderá tornar estes elaborados com a defesa da propriedade intelectual da empresa, inauditáveis, com as empresas a escudarem-se na propriedade intelectual para não divulgar as medidas organizacionais e técnicas aplicadas.

Desta forma, muito embora com a edição da Medida Provisória nº 869 em dezembro de 2018 que criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, vetada quando da sanção da Lei nº 13.709 (LGPD), espere-se uma melhor definição, dentre outras questões, às relativas a um detalhamento e orientações mais claras quanto à metodologia a ser utilizada quando da confecção do relatório bem como sugestões de frameworks para o documento, na ausência destas, lançamos mão das existentes para elaboração de um DPIA (Data Protection Impact Assessment), o equivalente ao nosso RIPD no âmbito do GDPR.

O propósito de um DPIA não é eliminar todos os riscos, mas sim minimizar a existência destes, bem como verificar se os riscos remanescentes são justificáveis. De acordo com as orientações existentes relativas ao DPIA, este pode ser dedicado a apenas a uma única operação de processamento, bem como a um grupo de operações, desde que similares. Igualmente, também é possível que um grupo de controladores formulem conjuntamente um DPIA.

Para além de uma demanda legal, um DPIA gera uma série de benefícios que ao próprio negócio, uma vez que a sua metodologia pode implicar em revisões de processos, alinhando assim a organização a uma visão mais abrangente de compliance, trazendo a reboque a possibilidade de gerar ganhos financeiros e de reputação perante seus clientes. Nunca é demais lembrar que tanto a LGPD quanto o GDPR são leis voltadas para os indivíduos, não para as empresas per se. O que se observa, porém, é que o fato de ao se adequarem a elas, pela via natural, mudanças organizacionais ocorrem e com elas, uma otimização nos sistemas de controle e consequentemente toda uma melhoria nos aspectos organizacionais. Mais do que um custo, a conformidade em LGPD/GDPR, como é da natureza do compliance, é uma oportunidade de alavancar negócios. Em última análise, mais um meio de manter-se competitivo.

Antes de fazermos um resumo sobre as principais etapas que integram a elaboração de um DPIA, convém esclarecer que o mesmo, muito embora seja até mesmo por autoridades nacionais de proteção de dados europeias (como a francesa CNIL) tratado como um sinônimo de um PIA (Privacy Impact Assessment), tal fato não traduz perfeitamente a realidade, do ponto de vista técnico stricto sensu. Muito embora suas bases possam ter uma origem comum, o PIA, além de já tratar-se de um conceito bem estabelecido, em contraposição ao recém-criado DPIA através do disposto no artigo 35 do GDPR de 2016, aquele trata de uma avaliação mais abrangente com relação aos impactos em todas as dimensões da privacidade.

Por sua vez, o DPIA surge como um instrumento que tem como foco evidenciar o compliance quanto a práticas previstas numa legislação específica, no caso o GDPR. Em princípio as semelhanças podem induzir a pensar que se tratam de instrumentos iguais, por abordarem aspectos que concernem a privacidade. Porém, o PIA tem uma abrangência maior, por contemplar a análise de impacto a todas as dimensões da privacidade. Por sua vez, o DPIA concentra-se num recorte limitado a atividades de processamento específicas, a saber as que envolvam e que possam vir a comprometer a proteção dos dados pessoais e violação aos direitos do indivíduo.

Feita esta importante distinção, passemos aos aspectos metodológicos para criação de um RIPD/DPIA. Muito embora não sejam exatamente iguais um DPIA e um PIA, por sua natureza e escopo, é possível lançar mão como mera referência da ISO 29134, que estabelece uma metodologia baseada em boas práticas para realização de um Privacy Impact Assessment. Para uma abordagem mais específica, porém, torna-se fortemente recomendado a apreciação da documentação produzida tanto pelo antigo WP29 (agora EDPB – European Data Protection Board), quanto da ICO e CNIL (autoridades de proteção de dados do Reino Unido e França, respectivamente) sobre DPIAs. Para entendimento prévio sobre gestão de risco, recomenda-se complementarmente a leitura da ISO 31000, que descreve os processos envolvidos (comunicação e consulta, estabelecimento de contexto, avaliação de riscos, resposta aos riscos, monitoração e reexame).

É de suma importância, antes de conduzir a elaboração de um RIPD/DPIA, que sejam feitos os seguintes questionamentos:

* Foi realizada uma consulta junto aos stakeholders internos com relação aos possíveis riscos relativos a atividade de processamento em análise, bem como os riscos de não-conformidade ante a LGPD e os instrumentos internos de controle (políticas, processos e procedimentos voltados a proteção de dados e privacidade)?

* Foram de igual forma consultados os stakeholder externos? Em caso afirmativo, quem, quando e com qual propósito objetivou-se a consulta?

* Adicionalmente à identificação dos riscos envolvidos, ambas consultas levaram em consideração medidas de mitigação ou minimização destes riscos?

Uma vez realizado esse levantamento prévio, dá-se início efetivo ao processo de elaboração do relatório.

Para efeitos de melhor compreensão, pode-se dividir um RIPD/DPIA em 3 etapas:

1. Entendimento da organização e processos envolvidos (Contexto)

2. Risk Assessment (Processo de avaliação de riscos)

3. Risk Management (Gerenciamento de riscos)

A partir dessa visão macro, podemos adotar uma estrutura subdividindo as etapas de um Relatório de Impacto em 6 fases, a saber:

Fase 1 – Detalhamento do processamento

Fase 2 – Análise do processamento tendo em conta possíveis relações com terceiros e respectivo contato para colaboração na elaboração das fases seguintes

Fase 3 – Identificação de controles

Fase 4 – Listagem e análise de eventos e ameaças para o titular de dados quanto ao processamento dos dados pessoais

Fase 5 – Produção de relatório com sumário de análise, controles existentes e mitigação de risco, bem como propostas de medidas técnicas e organizacionais apropriadas para mitigar o risco do titular de dados, caso estas não estejam em prática

Fase 6 – Envio para aprovação ou recusa ao DPO

A Fase 1 visa detalhar as atividades de processamento envolvidas e que são objeto do relatório. Essa descrição sistemática das operações deve observar em seu levantamento a natureza, o âmbito, o contexto e as finalidades do tratamento. Os dados pessoais atingidos, os destinatários, as bases legais bem como o prazo de retenção devem ser igualmente detalhadas. Importante observar que essa fase implica no mapeamento/inventário de todos os dados envolvidos, bem como sua classificação e fluxos de processamento, para citar apenas alguns pontos-chave. Em condições ideais, tais processos já foram devidamente implementados.

Resta evidente, portanto, que aos considerarmos o processo de implementação de compliance em LGPD é no mínimo incorreto afirmar que o primeiro passo para dar início àquele seria a elaboração de um RIPD/DPIA. Tanto do ponto de vista metodológico quanto do ponto de vista prático, o relatório, observado no contexto de uma adequação da empresa à lei a partir do zero, apresenta-se como um output que tem por entrada diversos processos que já devem estar implementados e on-going dentro da organização. Seria como “começar pelo fim”, o que pode mostrar-se algo contraproducente e ineficaz. Numa abordagem mais otimista, prestar-se-ia como um instrumento de avaliação de maturidade organizacional/de processos tão-somente. Entretanto, existem ferramentas e metodologias específicas para este fim, tais como a realização de uma pré-auditoria ou um gap assessment. O relatório não se prestaria como o remédio mais indicado, aprioristicamente.

A Fase 2 implica uma análise às relações com terceiros, nomeadamente joint controllers ou processadores. No GDPR, a colaboração para DPIAs só tem força de Lei para os processadores, pelo que se sugere que num contrato junto a joint controllers se inclua uma cláusula para permitir essa colaboração.

A Fase 3 concentra-se em identificar os controles que já existem. Estes controles são tanto de ordem legal como de tratamento de riscos. Entram nessa categoria, portanto, todas as medidas legais, técnicas, físicas e organizacionais, que consideradas a partir do ponto de vista de assegurar ao indivíduo seus direitos previstos, já existem e como elas se relacionam ao processamento objeto do relatório.

A necessidade e a proporcionalidade do processamento são verificadas, através da avaliação de medidas existentes para este fim, bem como as outras relativas à preservação dos demais direitos alcançados pela lei. Novamente aqui faz-se necessário de que existam tais medidas para que, se necessário, sejam estas adequadas ao processamento analisado, bem como modificações a estas medidas sejam feitas, caso trate-se de uma forma nova de processamento anteriormente não prevista. Tal observação reforça a tese de que o RIPD não se presta a rigor como ferramenta de conformidade sem que sejam atendidas premissas básicas.

A Fase 4 consiste em realizar o processo de avaliação de riscos (risk assessment) a partir do ponto de vista do titular dos direitos. Identificar, analisar e avaliar riscos. Uma metodologia sugerida para garantir a sistematização do modelo de gestão de risco é a ISO 31000, trazendo uma standardização que confere certeza e, ao mesmo tempo, transmite, em caso de investigação, uma forma de demonstração de compreensão e responsabilização da empresa em relação à proteção dos dados baseada numa norma adotada largamente no mercado.

O objetivo da identificação é relacionar as fontes de risco, áreas/direitos impactados, eventos e suas causas, bem como potenciais consequências. Todos os eventos e ameaças relacionadas ao processamento em análise devem ser levantados e documentados. Estes eventos podem ter origem interna ou externa, causa humana ou tecnológica, etc. Assim, a origem, natureza, particularidade, gravidade dos riscos são elencados.

Seguindo o modelo proposto, os próximos passos consistem em analisar e avaliar os riscos identificados. Ao tomar em conta os riscos aos direitos identificados no processamento, faz-se necessário, considerando os potenciais impactos nos direitos e liberdades dos titulares e ameaças aos mesmos, estimar a probabilidade e gravidade de cada um dos riscos.

A Fase 5 tem por objetivo documentar as medidas adotadas para que os riscos identificados, analisados e avaliados sejam devidamente tratados. Este tratamento pode acarretar em evitar, remover, alterar, compartilhar ou reter os riscos levantados.

Nesta fase é gerado o relatório final que resume toda a análise realizada, os controles existentes, os riscos e ameaças aos titulares, endereçando as ações a serem tomadas pela organização para cada risco, ameaça e falha identificada. Durante todo o processo a figura do Encarregado, como 2ª linha de defesa, deve ser consultado para dirimir dúvidas e receber dele eventuais sugestões/críticas/orientações. Uma vez documentado adequadamente, o relatório deverá ser submetido aos principais gerentes das áreas afetadas da organização, para que os mesmos tomem as ações necessárias e validem o documento.

Apesar da LGPD, ao contrário do GDPR, não especificar as situações onde se faz mandatório RIPD, o legislador previu que para os casos onde a base legal para o tratamento for o interesse legítimo, observe-se o seguinte:

Art. 10. Para os fins desta Lei, considera-se: O legítimo interesse do controlador somente poderá fundamentar tratamento de dados pessoais para finalidades legítimas, consideradas a partir de situações concretas, que incluem, mas não se limitam a:

I – apoio e promoção de atividades do controlador; e

II – proteção, em relação ao titular, do exercício regular de seus direitos ou prestação de serviços que o beneficiem, respeitadas as legítimas expectativas dele e os direitos e liberdades fundamentais, nos termos desta Lei.

§ 1º Quando o tratamento for baseado no legítimo interesse do controlador, somente os dados pessoais estritamente necessários para a finalidade pretendida poderão ser tratados.

§ 2º O controlador deverá adotar medidas para garantir a transparência do tratamento de dados baseado em seu legítimo interesse.

§ 3º A autoridade nacional poderá solicitar ao controlador relatório de impacto à proteção de dados pessoais, quando o tratamento tiver como fundamento seu interesse legítimo, observados os segredos comercial e industrial. (grifo nosso)

A Fase 6 consiste no envio do relatório ao DPO, para sua análise. O DPO fará uma análise ao DPIA e concluirá se está de acordo com o que é exigido ou se, por outro lado, há riscos que não foram corretamente mitigados ou riscos que não constam do relatório. Não havendo nada legalmente que obrigue o DPO a fundamentar a sua decisão, é boa prática que a recusa do DPO tem de ser fundamentada.

A questão mais pertinente, nestes casos, é quando o DPO rejeita o DPIA. Hipoteticamente, podemos olhar para uma empresa cujo DPO rejeitou um DPIA. A rejeição do DPO de um DPIA não é vinculativa mas deve ser tida em alta consideração, dada a especificidade do cargo. A direção da empresa, após analisar o DPIA, a opinião do DPO e os fundamentos da recusa, pode decidir avançar com o processamento de dados, mesmo com a rejeição do DPIA pelo DPO. No entanto, terá de fundamentar a sua decisão, visto que, em caso de investigação, ter-se-á de analisar se o risco corrido pela empresa era razoável ou negligente, colocando propositadamente em causa os direitos dos titulares de dados em seu benefício.

Outra questão coloca-se no caso do DPO aprovar o DPIA com reservas. Por exemplo, considera que o risco está convenientemente mitigado mas que a empresa pode mitigar esse risco consideravelmente com diversas e determinadas medidas técnicas e/ou organizacionais. Não sendo a forma mais comum de responder a um DPIA, não se vislumbra qualquer razão legal para que um DPO cumpra a sua função de monitorização de forma preemptiva, assinalando soluções que o DPIA não toma em consideração.

A propósito da menção feita anteriormente ao artigo 10, § 3º, a mesma é específica a um relatório idêntico ao ser gerado em qualquer outra situação onde haja riscos aos direitos dos titulares. No âmbito do GDPR porém, tem sido considerado unanimenete a necessidade de uma avaliação que fundamente o interesse legítimo, o LIA (Legitimate Interests Assessment).

Apesar de tratar-se de uma base legal mais flexível, o interesse legítimo não pode ser assumido como o mais apropriado por mera conveniência. O propósito do LIA é evitar que o. controlador utilize o legítimo interesse de forma arbitrária e não fundamentada, sem ter em ponderação os interesses dos titulares de dados.

A responsabilidade adicional ao agente de tratamento decorrente da utilização dessa base legal é inerente, portanto conduzir uma avaliação como um LIA pode ajudar bastante a decidir pelo legítimo interesse. Um LIA basicamente coloca de forma estruturada e documentada o teste em três partes que se recomenda ao avaliar a adequação do interesse legítimo, a saber:

* Propósito (ou Purpose Test)

* Necessidade (ou Necessity Test)

* Balanceamento (ou Balancing Test)

Inicialmente, considera-se o propósito do processamento, o que se espera obter através dele; quem beneficia-se do processamento e de que forma; se existem benefícios públicos advindos e de que forma eles se dariam; o quão importantes seriam esses benefícios, etc.

Superado isso, avalia-se a real necessidade do processamento baseado em interesse legítimo: esse processamento de fato auxilia no propósito almejado? Ele é indispensável? Não haveria outra base legal possível de se utilizar para alcançar o mesmo propósito? Há proporcionalidade entre o propósito e a necessidade?

Por fim, considera-se o impacto nos interesses, direitos e liberdades dos titulares da utilização desta base legal e são identificadas formas de mitigação do risco a esses direitos e liberdades. Do ponto de vista prático, quando olhamos para o GDPR, um DPIA não é substituído por um LIA, mas este auxilia bastante para checar a viabilidade de se utilizar como base legal o interesse legítimo, servindo de base ao mesmo quando estão em causa processamentos que colocam direitos dos titulares de dados em risco de forma agravada. Rejeitado um LIA, não se vislumbra como se poderá avançar com o interesse legítimo como base legal.

Por último, deve-se ter em consideração que o LIA terá de ser aprovado ou rejeitado pelo DPO, com as mesmas nuances referidas supra em relação aos DPIAs.

A propósito da diferença suscitada pelo LIA entre a lei brasileira e a europeia, observa-se que no GDPR o DPIA é mandatório quando o tratamento de dados for “suscetível de implicar um elevado risco para os direitos e liberdades das pessoas singulares” (GDPR, artigo 35.º, n.º 1).

Por outro lado, na LGPD, a abrangência não encontra premissas, ou seja, potencialmente todas as atividades de processamento, independente do grau de risco que apresentem aos direitos dos titulares, podem vir a ser demandadas pela futura autoridade de serem passíveis de RIPD por parte dos agentes de tratamento.

Ora, é fato que nossa realidade empresarial não tem ainda como foco o compliance, e dentro do universo da governança corporativa, a gestão de risco é antes uma exceção do que uma regra entre as empresas nacionais. Com o advento da LGPD e com ela a demanda legal quanto a existência deste mesmo compliance através de controles baseados em boas práticas, é seguro dizer que no futuro tenhamos uma mudança significativa na cultura organizacional pátria. Porém, talvez não tenha sido a melhor solução deixar de modo tão “aberto” a possível necessidade de termos RIPD para todas e quaisquer situações.

Isto posto, partindo do pressuposto de que “quem pode o mais, pode o menos”, segue à guisa de recomendação para a futura e tão necessária autoridade nacional que sejam adotados os mesmos critérios do GDPR quanto a necessidade de um RIPD. Além de estarmos assim mais alinhados com a legislação que tão grande inspiração deu à LGPD, estaríamos também dando uma maior possibilidade à ANPD em tratar os casos mais críticos como devem ser tratados: prioritariamente. Ademais, por tratar-se de um órgão recém criado, e como qualquer outro, com recursos limitados, e ainda por cima num país onde não temos uma cultura como a europeia (que já dispõe de regulação na área desde a década de 90, com a Diretiva que foi substituída pelo GDPR), existe uma tendência que tenhamos uma quantidade muito grande de demandas a autoridade, em especial nos momentos iniciais de vigência da lei.

Por tratar-se de uma abordagem nova no país de garantia aos direitos relativos à privacidade e proteção de dados pessoais, extremamente bem vinda, corre-se no entanto o risco de que, não atendendo a demanda supracitada, a ANPD venha a perder de alguma forma credibilidade e, dessa forma, tornar-se “mais uma agência”. E isto podendo vir a ocorrer justamente quando conquistamos a duras penas um patamar elevado de segurança jurídica com o advento da LGPD seria lamentável. Assim sendo, não podemos correr o risco de termos uma das suas principais ferramentas inovadoras, a autoridade nacional, desgastada já de saída.

MARCILIO BRAZ JR – Advogado especialista em privacidade e proteção de dados. Fundador da Privacy Academy, primeira startup parceira da IBM no Brasil em Educação e Capacitação Corporativa especializada e dedicada exclusivamente em privacidade e proteção de dados pessoais (LGPD & GDPR). Gerente de projetos em Tecnologia da Informação. Ex-Secretário da Comissão de Direito da Tecnologia e da Informação da OAB/PE. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da pós-graduação Compliance Digital. Professor do Centro Damásio Educacional, da pós-graduação Direito Digital e Compliance. Professor da Faculdade Egas Moniz, da pós-graduação Law & Tech. Professor convidado da Universidade de Pernambuco e idealizador do curso de extensão “Introdução à LGPD”. Pesquisador do SmartCities (UPE) e DTE (UFPE). Aluno da 5a. Escola de Governança da Internet (CGI). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Técnico em Telecomunicações pela Escola Técnica Federal de Pernambuco (ETFPE).

#FraternoAbraço

Fonte: https://administradores.com.br/artigos/das-etapas-de-elabora%C3%A7%C3%A3o-de-um-dpia

Avaliação de Impacto sobre a Proteção de Dados (ou DPIA, derivado do acrônimo em inglês Data Privacy Impact Assessment) é o nome dado ao processo que analisa e documenta o impacto futuro que o processamento dos dados pessoais terá sobre seus titulares. Por “impacto na privacidade” entende-se as consequências – possivelmente indesejadas – que o processamento de dados pode impor aos indivíduos ou à sociedade.

A ideia de avaliações de impacto na privacidade surgiu nos anos 1970, mas seu conceito amadureceu durante o período 1995-2005, como uma reação pública tardia contra as ações cada vez mais invasivas de privacidade por parte de governos e corporações durante a segunda metade do século XX. A adoção de DPIAs pelas organizações se consolidou ao longo dos anos, sendo incorporada às estruturas de avaliação de risco como resultado dos danos reputacionais decorrentes de violações à privacidade, então já considerada uma variável estratégica.

Embora o termo DPIA tenha se tornado popular, não há um método sistemático para realiza-lo, havendo inúmeras orientações e listas de verificação publicadas por autoridades nacionais e organizações especializadas. Entretanto, algumas características distinguem tais relatórios de outros tipos de atividades pelas seguintes características:

  • Possui natureza antecipatória (ou seja, uma PIA é distinta de uma auditoria de privacidade);
  • Tem amplo escopo (em relação às dimensões de privacidade, perspectivas externas e expectativas dos titulares e governos);
  • É orientado para analisar o surgimento de problemas e elaboração de soluções;
  • Enfatiza o processo de avaliação, incluindo troca de informações, aprendizado organizacional e adaptação de design;
  • Exige engajamento e envolvimento intelectual da alta direção (diretores e gerentes seniores).

Nos próximos artigos, serão analisados os casos de obrigatoriedade (e exceções legais) no tocante à elaboração de DPIAs, à luz da GDPR e da LGPD. Passa-se, então, ao exame dos aspectos práticos do processo de elaboração do relatório, bem como suas etapas de desenvolvimento, tempo de guarda das informações levantadas e considerações a respeito da periodicidade da atualização do DPIA. Por fim, passa-se à análise da elaboração de DPIAs à luz dos princípios de governança corporativa, tendo sempre em vista a conformidade exigida pela nova lei brasileira.

Fonte: https://www.lexmachinae.com/2019/02/25/intro-dpia/